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Adam Smith: |
Luciene Félix |
Inteligência não é sinônimo de sabedoria: “O mais perfeito conhecimento, se não for amparado pelo mais perfeito autodomínio, nem sempre capacitará [o homem] a cumprir o seu dever”, diz o filósofo escocês Adam Smith (1723-1790). Considerado o “Pai” da Economia moderna, é mais conhecido por sua famosa obra “A riqueza das Nações”. Porém, “Teoria dos Sentimentos Morais”, sobre a qual tangenciamos, foi publicada em 1759 e é considerada por muitos estudiosos sua verdadeira obra-prima. É agradabilíssimo aprender ‘como ser juiz de si mesmo’, testemunhando o espantoso grau de erudição alcançado pelo Sr. Smith, em cuja alma notoriamente apaixonada pelos antigos, sobretudo os sábios filósofos gregos, pulsa uma magnanimidade ímpar. Do inspirado pensador, ao qual tive a felicidade de ser apresentada pelo economista brasileiro Alexandre Schwartsman quando estudava a avareza/ganância dentre “Os Sete Pecados Capitais” (vide artigo já publicado), focaremos o “Autodomínio” que, como diz Adam Smith: “não é apenas em si mesmo uma grande virtude, mas dele todas as outras virtudes parecem derivar seu principal brilho”. A necessidade de autodomínio está intimamente relacionada às tentações, pois como diz o autor “agir de acordo com os ditames da prudência, da justiça e da beneficência apropriada, parece não ter grande mérito se não existe a tentação de agir de outra forma”. Somos cônscios de que é justamente na capacidade de empreendermos autodomínio diante dos pathós (afecções da alma) que poremos em relevo nossas maiores virtudes, ou sucumbiremos a vexatórios e odiosos vícios. Conhecer as regras, no entanto, não nos capacita a cumpri-las. Somos passíveis de medo, cólera e, como qualquer ser humano, orgulhosos e vaidosos. As paixões nos seduzem com facilidade e, insistentes, nos induzem a atitudes aviltantes, constrangedoramente indignas, que contrariam e traem nossas convicções. O autor subdivide as paixões em duas classes: no primeiro grupo inclui as que mais exigem esforço de autodomínio e que são mais raras, pontuais; no segundo grupo enquadra as paixões que podem ser refreadas com mais facilidade, mas que, por serem mais constantes “por suas súplicas contínuas e quase incessantes, podem, no curso de uma vida, induzir a grandes desvios”. É tarefa árdua manter lúcido autodomínio diante de uma inesperada situação aterradora: deimos e phobos (terror e medo), sabiam os gregos, são paralisantes. Por outro lado, é muito difícil refrear a reação imediata e impulsiva num agudo momento de cólera. No segundo grupo das paixões sobre as quais convém que exerçamos autodomínio, nos enredam “o amor ao sossego, ao prazer, ao aplauso e a muitas outras satisfações egoístas”. Seguramente, se compararmos as do primeiro com as do segundo grupo, parece-nos mais fácil dominá-las, pois essas inclinações nos concedem algum tempo mínimo de reflexão; ao menos, mais do que quando somos assaltados pelo medo e pela cólera (primeiro grupo). Medo e cólera, embora sejam arroubos muito intensos, são pontuais. Não se vive tomado por medo e cólera diuturnamente. Os apetites concupiscentes do segundo grupo, por sua vez, embora até menos desenfreados e impetuosos, são dóceis e brandos e por isso mesmo, mais insidiosos. Tão insistentes e constantes que “por suas súplicas contínuas [diárias até], não raro nos induz[em] a muitas fraquezas que depois com muita razão nos envergonharemos” nos momentos de acurada lucidez. Ressaltando que “Nenhum caráter é mais desprezível do que o de um covarde” aponta que dominar o medo e a cólera exige coragem, vigor e força de espírito. De outro modo, o domínio dos desejos do ego, para os antigos moralistas (sem conotação pejorativa) demanda temperança (em grego Sophrosyne = justa medida; Espírito são), decência, modéstia e moderação. Nos heróis (e até mesmo nos vilões!), a capacidade de alguns homens em subjugar o medo, mantendo a “presença de espírito” mesmo diante rainha dos terrores – a morte – não deixa de nos causar genuína admiração: “É esse habitual desprezo pelo perigo e pela morte que enobrece a profissão de soldado, e lhe confere na concepção natural da humanidade, posição e dignidade superiores às de qualquer outra”. Essa ímpar característica distintiva do guerreiro destemido e vitorioso, que é a alké (coragem) guarda um “segredo” revelado por Hesíodo na Teogonia (cerca de 600 a.C.): “kydistos” (possuidor de “kydós”, uma variante de Kleós/Glória e Niké/Vitória) é um dos epítetos de Zeus (Júpiter, o grande Superintendente do Universo, como Adam Smith designa). Numa batalha, prova ou em qualquer outro desafio, ao mortal que também trouxer o “kydós” dentro do peito será destinada a vitória. Dessa forma, ao cônscio e convicto de trazer a marca distintiva do kydós de Zeus em si, a tal “presença de espírito” como identifica o Sr. Smith, só cabe um destino: Victor! “Ele” o elege porque primeiro o candidato a herói “O” elegeu. É assim que o afortunado é eleito, que a Fortuna lhe sorri. O “segredo” é estar convicto da vitória antes do início do combate. Dominar a cólera não é atitude menos generosa e nobre que dominar o medo, diz Smith. Sem dúvida, uma destemperada e ruidosa explosão de cólera “é sempre odiosa e ofensiva” conclui, salientando que “nos importa não o homem irado, mas o homem com quem este está irado”, e essa indignação, quando justa, faz toda diferença. Apontando um dos caminhos para refrear a cólera, Adam Smith é lapidar: “Em muitas ocasiões a nobreza do perdão revela-se superior até mesmo a mais perfeita propriedade do ressentimento (...) o homem que consegue pôr de lado toda a animosidade e agir com confiança e cordialidade para com a pessoa que mais dolorosamente o ofendeu parece merecer com justiça nossa mais elevada admiração”. Numa ação de falso domínio, freqüentemente é o medo que impede a reação encolerizada, mas “nesses casos a baixeza do motivo retira toda nobreza do controle”. Reativa, “A cólera incita ao ataque, e às vezes, quando é saciada, deixa à mostra uma sorte de coragem e superioridade diante do medo. Saciar a cólera é por vezes objeto de vaidade; saciar o medo, jamais”. Quando os propósitos são perniciosos “(...) o domínio da cólera nem sempre se mostra sob cores tão esplêndidas”. O indivíduo dissimulado, que consegue conter a cólera por medo de enfrentar quem a suscita, é falso e perigosíssimo: traiçoeiro, como ardilosa serpente, estará à espreita, aguardando apenas a ocasião mais propícia e segura para dar o bote. Adam Smith é contundente ao afirmar que os homens vaidosos e fracos, quando diante de seus inferiores ou entre àqueles que nem se atrevem a enfrentá-los, mostram-se excessivamente passionais, pois acreditam que, agindo desse modo ostentam o que se chama de valor e angariam aplausos [dos igualmente toscos] admiradores. Abomináveis, os que assim se portam são de uma arrogância deplorável: “Há sempre algo digno no domínio do medo, seja qual for o motivo sobre o qual este se funda. O mesmo não ocorre no que se refere ao domínio da cólera: a menos que se funde inteiramente sobre o senso de decência, de dignidade, de conveniência, nunca é perfeitamente agradável”. Urge saber distinguir sabiamente a situação de “verdadeiro autodomínio” das de “falso domínio de si”, pois a coragem tanto pode ser usada para perpetrar justiça ou injustiça: “Trata-se, do trabalho lento, gradual e progressivo do grande semideus dentro do peito, o grande juiz e árbitro da conduta”, profere Adam Smith. É necessário empenhar-se constantemente no cultivo da virtude do autodomínio e acalentar forte senso de conveniência para fazer e principalmente manter esse comprometimento. Inteligência não é sinônimo de sabedoria: “O mais perfeito conhecimento, se não for amparado pelo mais perfeito autodomínio, nem sempre capacitará [o homem] a cumprir o seu dever”, diz o filósofo escocês Adam Smith (1723-1790). Considerado o “Pai” da Economia moderna, é mais conhecido por sua famosa obra “A riqueza das Nações”. Porém, “Teoria dos Sentimentos Morais”, sobre a qual tangenciamos, foi publicada em 1759 e é considerada por muitos estudiosos sua verdadeira obra-prima. É agradabilíssimo aprender ‘como ser juiz de si mesmo’, testemunhando o espantoso grau de erudição alcançado pelo Sr. Smith, em cuja alma notoriamente apaixonada pelos antigos, sobretudo os sábios filósofos gregos, pulsa uma magnanimidade ímpar. Do inspirado pensador, ao qual tive a felicidade de ser apresentada pelo economista brasileiro Alexandre Schwartsman quando estudava a avareza/ganância dentre “Os Sete Pecados Capitais” (vide artigo já publicado), focaremos o “Autodomínio” que, como diz Adam Smith: “não é apenas em si mesmo uma grande virtude, mas dele todas as outras virtudes parecem derivar seu principal brilho”. A necessidade de autodomínio está intimamente relacionada às tentações, pois como diz o autor “agir de acordo com os ditames da prudência, da justiça e da beneficência apropriada, parece não ter grande mérito se não existe a tentação de agir de outra forma”. Somos cônscios de que é justamente na capacidade de empreendermos autodomínio diante dos pathós (afecções da alma) que poremos em relevo nossas maiores virtudes, ou sucumbiremos a vexatórios e odiosos vícios. Conhecer as regras, no entanto, não nos capacita a cumpri-las. Somos passíveis de medo, cólera e, como qualquer ser humano, orgulhosos e vaidosos. As paixões nos seduzem com facilidade e, insistentes, nos induzem a atitudes aviltantes, constrangedoramente indignas, que contrariam e traem nossas convicções. O autor subdivide as paixões em duas classes: no primeiro grupo inclui as que mais exigem esforço de autodomínio e que são mais raras, pontuais; no segundo grupo enquadra as paixões que podem ser refreadas com mais facilidade, mas que, por serem mais constantes “por suas súplicas contínuas e quase incessantes, podem, no curso de uma vida, induzir a grandes desvios”. É tarefa árdua manter lúcido autodomínio diante de uma inesperada situação aterradora: deimos e phobos (terror e medo), sabiam os gregos, são paralisantes. Por outro lado, é muito difícil refrear a reação imediata e impulsiva num agudo momento de cólera. No segundo grupo das paixões sobre as quais convém que exerçamos autodomínio, nos enredam “o amor ao sossego, ao prazer, ao aplauso e a muitas outras satisfações egoístas”. Seguramente, se compararmos as do primeiro com as do segundo grupo, parece-nos mais fácil dominá-las, pois essas inclinações nos concedem algum tempo mínimo de reflexão; ao menos, mais do que quando somos assaltados pelo medo e pela cólera (primeiro grupo). Medo e cólera, embora sejam arroubos muito intensos, são pontuais. Não se vive tomado por medo e cólera diuturnamente. Os apetites concupiscentes do segundo grupo, por sua vez, embora até menos desenfreados e impetuosos, são dóceis e brandos e por isso mesmo, mais insidiosos. Tão insistentes e constantes que “por suas súplicas contínuas [diárias até], não raro nos induz[em] a muitas fraquezas que depois com muita razão nos envergonharemos” nos momentos de acurada lucidez. Ressaltando que “Nenhum caráter é mais desprezível do que o de um covarde” aponta que dominar o medo e a cólera exige coragem, vigor e força de espírito. De outro modo, o domínio dos desejos do ego, para os antigos moralistas (sem conotação pejorativa) demanda temperança (em grego Sophrosyne = justa medida; Espírito são), decência, modéstia e moderação. Nos heróis (e até mesmo nos vilões!), a capacidade de alguns homens em subjugar o medo, mantendo a “presença de espírito” mesmo diante rainha dos terrores – a morte – não deixa de nos causar genuína admiração: “É esse habitual desprezo pelo perigo e pela morte que enobrece a profissão de soldado, e lhe confere na concepção natural da humanidade, posição e dignidade superiores às de qualquer outra”. Essa ímpar característica distintiva do guerreiro destemido e vitorioso, que é a alké (coragem) guarda um “segredo” revelado por Hesíodo na Teogonia (cerca de 600 a.C.): “kydistos” (possuidor de “kydós”, uma variante de Kleós/Glória e Niké/Vitória) é um dos epítetos de Zeus (Júpiter, o grande Superintendente do Universo, como Adam Smith designa). Numa batalha, prova ou em qualquer outro desafio, ao mortal que também trouxer o “kydós” dentro do peito será destinada a vitória. Dessa forma, ao cônscio e convicto de trazer a marca distintiva do kydós de Zeus em si, a tal “presença de espírito” como identifica o Sr. Smith, só cabe um destino: Victor! “Ele” o elege porque primeiro o candidato a herói “O” elegeu. É assim que o afortunado é eleito, que a Fortuna lhe sorri. O “segredo” é estar convicto da vitória antes do início do combate. Dominar a cólera não é atitude menos generosa e nobre que dominar o medo, diz Smith. Sem dúvida, uma destemperada e ruidosa explosão de cólera “é sempre odiosa e ofensiva” conclui, salientando que “nos importa não o homem irado, mas o homem com quem este está irado”, e essa indignação, quando justa, faz toda diferença. Apontando um dos caminhos para refrear a cólera, Adam Smith é lapidar: “Em muitas ocasiões a nobreza do perdão revela-se superior até mesmo a mais perfeita propriedade do ressentimento (...) o homem que consegue pôr de lado toda a animosidade e agir com confiança e cordialidade para com a pessoa que mais dolorosamente o ofendeu parece merecer com justiça nossa mais elevada admiração”. Numa ação de falso domínio, freqüentemente é o medo que impede a reação encolerizada, mas “nesses casos a baixeza do motivo retira toda nobreza do controle”. Reativa, “A cólera incita ao ataque, e às vezes, quando é saciada, deixa à mostra uma sorte de coragem e superioridade diante do medo. Saciar a cólera é por vezes objeto de vaidade; saciar o medo, jamais”. Quando os propósitos são perniciosos “(...) o domínio da cólera nem sempre se mostra sob cores tão esplêndidas”. O indivíduo dissimulado, que consegue conter a cólera por medo de enfrentar quem a suscita, é falso e perigosíssimo: traiçoeiro, como ardilosa serpente, estará à espreita, aguardando apenas a ocasião mais propícia e segura para dar o bote. Adam Smith é contundente ao afirmar que os homens vaidosos e fracos, quando diante de seus inferiores ou entre àqueles que nem se atrevem a enfrentá-los, mostram-se excessivamente passionais, pois acreditam que, agindo desse modo ostentam o que se chama de valor e angariam aplausos [dos igualmente toscos] admiradores. Abomináveis, os que assim se portam são de uma arrogância deplorável: “Há sempre algo digno no domínio do medo, seja qual for o motivo sobre o qual este se funda. O mesmo não ocorre no que se refere ao domínio da cólera: a menos que se funde inteiramente sobre o senso de decência, de dignidade, de conveniência, nunca é perfeitamente agradável”. Urge saber distinguir sabiamente a situação de “verdadeiro autodomínio” das de “falso domínio de si”, pois a coragem tanto pode ser usada para perpetrar justiça ou injustiça: “Trata-se, do trabalho lento, gradual e progressivo do grande semideus dentro do peito, o grande juiz e árbitro da conduta”, profere Adam Smith. É necessário empenhar-se constantemente no cultivo da virtude do autodomínio e acalentar forte senso de conveniência para fazer e principalmente manter esse comprometimento. |
Escola Superior de
Direito Constitucional - ESDC |