Amigos, no artigo anterior,
abordando a virtude da Prudência em Aristóteles, indiquei-lhes um vídeo que já
foi assistido e está sendo debatido por milhões de pessoas em todo o mundo.
Trata-se de “The story of stuff” (A história das coisas), de Annie
Leonard, disponível em meu Blog. Em cerca de 20 minutos, somos instigados a
refletir sobre nosso planeta, as pessoas no mundo e, conseqüentemente, sobre nós
mesmos, pois somos seres de e em relação. Considerando que
um dos principais objetivos dessa coluna é fomentar o Pensar, nada mais
adequado.
Minha audaciosa intenção para o artigo desse mês era abordar a questão da
“phronesis” em Platão, ou seja, como a Alma conhece e se dá a conhecer. O
que é e onde se instala esse reduto, essa instância da psyché que nos
possibilita “ver o todo”, ponderar, deliberar e, exercendo a liberdade, enfim
escolher. Esse tema é inegavelmente relevante e muitíssimo profundo, sobretudo
para a base, a fundação de uma Teoria do Conhecimento (epistéme), ponto
nevrálgico e bastante discutido na Filosofia.
Mas ponderei: é fim de ano, época de retrospectivas, de balanços de vida, de
festas e, inevitavelmente, de consumo desenfreado.
A questão do consumismo, que vislumbra seu ápice sazonal nesse mês, se impôs
como foco. Optei então por transcrever pequeno trecho, apropriadamente
intitulado: “Tenha somente o necessário” da sapientíssima obra “Sócrates e a
Arte de Viver – um guia para a filosofia no cotidiano”, de J.C. Ismael,
jornalista, escritor, um dos intelectuais mais atentos e iluminados com quem
contamos.
“O homem que se conhece verdadeiramente mediante o exame e a prática da virtude
está livre da tentação de possuir bens materiais além dos estritamente
necessários para viver. Mas aquele que não tem força suficiente para resistir ao
desejo de amealhá-los está no caminho oposto da felicidade: quanto mais tem,
mais sente vontade de possuir, numa ânsia ilimitada de satisfazer-se sem o
conseguir, pois sempre haverá algo novo para comprar, seja-lhe ou não
necessário. Uma pessoa assim está em eterna competição com quem ostenta mais,
sem pudor de demonstrar a falta de limite para exibir-se perante os outros, como
se a posse desmedida de bens fosse a demonstração de superioridade perante eles.
Mas essa superioridade é ilusória, constatada por quem algum dia conhecerá a
inutilidade da sua ganância, afundando na tristeza que ela lhe trouxe.
Contentar-se com o que possui está entre os mandamentos de viver bem; e, diante
das múltiplas ofertas ao seu dispor, alegrar-se por não precisar de nenhuma
delas: as coisas indispensáveis são sempre muito poucas. A tentação de
possuí-las, porém, pode ser forte, mas quem a ela resiste deve vangloriar-se de
ter derrotado esse impulso – o mesmo que o leva a consumir-se em paixões
sensuais – , alcançando a vitória sobre si mesmo. O desejo de possuir coisas
inúteis faz parte daquilo que a natureza humana tem de misterioso, pois enquanto
a razão mostra que elas são desnecessárias, um impulso nascido em tempos
imemoriais impele a possuí-las cada vez mais, num processo difícil de ser
interrompido.
À obsessão de possuir muitos e quase sempre inúteis bens liga-se naturalmente
outra, igualmente prejudicial: a vaidade. Pouca coisa pior pode acontecer a uma
pessoa do que ser dominada pela vaidade, a insidiosa inimiga de uma vida
virtuosa. Além disso, o vaidoso desconhece a própria ignorância, e sequer se dá
ao trabalho de disfarçá-la porque lhe faltam qualidades como a temperança e a
sabedoria, sobrando-lhe os defeitos do egoísmo e da importância indevida que se
dá. O vaidoso nutre-se das coisas que possui e que exibe na falta de possuir uma
importância maior que ilusoriamente pretende ter. O vaidoso não tem amigos
verdadeiros porque também não pode sê-lo, pois o que lhe importa é exibir seus
bens materiais – que, por consistirem sua razão de viver, são irrelevantes para
quem procura no outro uma comunhão espiritual, muito diferente da que o vaidoso
pode oferecer”.
Àqueles para os quais PIB não é tudo, havendo de se considerar também o FIB
(Felicidade Interna Bruta)*, disponibilizei mais trechos dessas preciosas
"lições de socratismo" e também uma lista de “luxos que não tem preço”, em meu
Blog.
Encerro desejando a todos vocês amigos, um luminoso rito de Pax, Felix, que o
ano vindouro seja pontilhado de realizações éticas no mundo da práxis e
de profícuas reflexões filosóficas aqui, na Carta Forense.
|