Esclareçamos a diferença entre
pragmatismo e empirismo, visto que essas duas correntes filosóficas são
assentadas na noção de experiência. Pois bem, a distinção se dá pelo modo como
essas teorias entendem essa noção de experiência. Enquanto o empirismo (lógica
indutiva) toma a experiência enquanto experiência passada, ou seja, como um
patrimônio limitado que pode ser inventariado e sistematizado de forma absoluta,
o pragmatismo (lógica abdutiva) entende a experiência como abertura para
o futuro, ou seja, como possibilidade de fundamentar a previsão, não em
confronto com a experiência passada, mas em relação com o possível uso futuro
dessa experiência passada.
Signo, para Peirce, é “algo que está no lugar de (representa)
outra coisa para alguém”. Signo é o que traduz de modo mais claro o clássico
aliquid stat pro aliquo, ou seja, uma coisa que está por outra, como o
conceito tradicional de signo cunhado por Santo Agostinho. O signo designa, em
sentido lato, o próprio signo, o objeto e o interpretante,
ou seja, a “coisa significada” e a “cognição produzida na mente”. É à partir da
relação do signo com o objeto que se determina ou se produz um
interpretante.
O interpretante é um representante pois constitui o nome do objeto perceptível
e, como nome, servirá como novo signo ao receptor. Esse processo é infinito e se
designa “semiose”. Infinito porque a produção de um “interpretante” é uma
representação, logo, um novo signo, que produzirá um novo interpretante... e
assim sucessivamente.
A semiótica se caracteriza pelo estudo de três aspectos: gramática
(sintaxe); lógica (semântica) e retórica (pragmática).
Segundo Peirce, a gramática se denomina como um âmbito independente em
que se concebe, pela relação ou conexão de signos, a tarefa de determinar o que
deve ser verdadeiro quanto ao representante utilizado, cujo objeto é o de
incorporar um significado qualquer. A lógica se denomina como o âmbito da
semântica em que se concebe, pela relação ou conexão dos signos com os objetos,
a perspectiva do que é quase necessariamente verdadeiro em relação ao
representante, cujo objetivo é o de aplicar-se a qualquer objeto; uma lógica
que, a partir da unidade do diverso, compreende a teoria unificada da dedução,
indução e abdução (inferência hipotética). Já a retórica
refere-se à eficácia da semiose (práxis do pensamento), cujo objetivo é o de
estabelecer os procedimentos para que um signo possa dar origem a outro signo.
O pragmatismo nada mais é que abdução. A máxima pragmaticista como uma questão
de lógica abdutiva tem por fundamento o juízo perceptivo como fonte de
conhecimento. Os juízos perceptivos contêm elementos gerais, ou seja, embora
juízos perceptivos sejam singulares, considerando o sujeito (por
exemplo: este caderno é...), não deixam de envolver a generalidade,
considerando o predicado (... branco), o que possibilita a dedução de
proposições gerais e, assim, a concepção, como apresentada, de juízo perceptivo,
que é um juízo particular, ser suficiente para responder a indagação de como se
passa deles para os juízos universais. É pela lógica abdutiva que a generalidade
é introduzida aos juízos perceptivos, ou seja, na criação das premissas como
fundamento para a dedução e das teorias, como fundamento para a indução.
A lógica tradicional ou silogismo formal, concebe a distinção somente entre
dedução (como uma inferência necessária que extrai uma conclusão já
contida nas premissas) e indução (como uma inferência experimental
que não consiste em descobrir ou criar algo de novo, mas, sim, de confirmar
uma teoria através da experimentação). Daí, se a lógica tradicional só
distingue dedução e indução, como se dá a criação das premissas e das teorias,
como fundamentadoras da dedução e da indução? Será em resposta a essa questão
que Charles Sanders Peirce apresentará a lógica abdutiva que é uma
inferência hipotética (um lampejo, uma idéia, um ato de insight) e,
provando que algo pode ser, é o método que cria novas hipóteses
explicativas, não contidas nas premissas.
Assim, a lógica abdutiva é tomada como uma lógica da descoberta, da invenção ou
da criação. O exemplo da saca de feijões dado por Peirce, permite uma maior
compreensão da questão.
1) Todos os feijões daquela saca são brancos. Esses feijões são daquela saca.
Logo, esses feijões são brancos (dedução).
2) Esses feijões são daquela saca. Esses feijões são brancos. Logo, todos os
feijões daquela saca são brancos (indução).
3) Todos os feijões daquela saca são brancos. Esses feijões são brancos. Logo,
esses feijões são daquela saca (abdução).
Conforme o professor Júlio Pinto esclarece: “a abdução compartilha com a dedução
o fato de ter a regra geral como premissa inicial (todos os feijões, etc).
Entretanto, como a indução ela arrisca um palpite que pode dar errado. Olhada
desta maneira, a abdução está, portanto, entre a indução e a dedução. Contudo,
ela difere das duas também pela maior possibilidade de erro implícita na
hipótese que ela lança, porque é fácil perceber como, tanto a indução quanto a
dedução, estão baseadas na experiência”.
Dos tipos possíveis de inferência, portanto, a abdução constitui o único
que se projeta para o futuro, já que tanto a dedução quanto a indução
dizem do passado, do já conhecido, na medida em que se referem à experiência.
Seus limites estão pautados pelas premissas. Como palpites, os processos
abdutivos podem levar a erros, mas a falibilidade de uma hipótese não quer dizer
que a abdução seja um processo de ensaio e erro. Fundamentalmente, o que
acontece é que uma hipótese é formulada com base na experiência, através da
escolha de um interpretante logicamente possível para os signos que se oferecem
à observação.
Na medida em que a abdução é um processo de formação de uma hipótese
explanatória, é a única operação lógica que introduz uma idéia nova. Embora essa
forma de argumento não ofereça segurança quanto a sua verdade, o seu valor em
produtividade (sua uberdade) é elevado. A abdução “simplesmente” prova que
alguma coisa pode ser. |