Generalização dos efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade
(originalmente publicado nos "Cadernos Interdisciplinares Luso-Brasileiros", n. 01, jul/dez. 2006 - p. 145-170)
Marcelo Lamy
Na Constituição Imperial de 1824 incorporávamos a concepção inglesa da supremacia do parlamento e francesa da supremacia da lei. O artigo 13 estatuía que a Assembléia Geral exercia o Poder Legislativo: tinha competência não só para fazer leis, como para interpretá-las, suspendê-las e revogá-las (art. 15, inc. 8º). Por sua vez, a Constituição nomeava a Assembléia Geral a guardiã da Constituição (art. 15, inc. 9º) [1].
Com o advento da República em terras brasileiras, a Constituição de 1891, com o reforço da Lei 221/1894, inaugura uma nova passagem de relacionamento entre os poderes constituídos no Brasil. De um modelo de monopólio de tomada de decisões pelo Estado, a partir de um poder central, o Moderador, conforme desenhado pela Constituição Imperial de 1824, passamos a um desenho que admitia o controle jurisdicional de constitucionalidade de leis federais e “leis e atos dos governos dos Estados em face da Constituição” [2].
Outorgou-se, então, ao Poder Judiciário (ou Judicial), ainda que simbolicamente [3], a partir da influência do direito constitucional norte-americano, competências anteriormente desconhecidas, como o controle de constitucionalidade das leis e atos dos governos, o que modificou o jogo democrático brasileiro, cabendo-lhe controlar os limites da atuação do Estado em face da órbita de direitos do cidadão.
O modelo desenhado para o Poder Judiciário brasileiro na Constituição de 1891, teoricamente inspirando-se no modelo norte-americano, com as justiças estaduais e federal autônomas e com um Supremo Tribunal revisor de suas decisões, com o modelo difuso e concreto de controle de constitucionalidade, rompeu com o desenhado no decorrer do Império, retirando a “última palavra” das mãos do Imperador e passando-a ao Poder Judiciário, este sim um elo de proteção dos direitos do cidadão frente as atribuições do Estado.
Essas semelhanças com o modelo do Norte, contudo, deixaram de levar em conta, como lá se levou, um instrumento que assegurasse, efetivamente, a aplicação isonômica da lei pelos múltiplos intérpretes da Constituição, todos os juízes.
O pluralismo é a base que fundamenta as várias interpretações válidas (constitucionais [4]) da mesma norma. Assim, do ponto de vista teórico, a divergência jurisprudencial perante casos semelhantes não é um mal em si. Pelo contrário, pode ser exigência da justiça. No entanto, em prol do tratamento isonômico dos jurisdicionados, o dissenso injustificado é uma realidade que deve ser superada, porque a convivência estendida com a discrepância causa, de fato, insegurança, incerteza e verdadeira injustiça.
Quando uma mesma norma é interpretada de maneira diversa por juízes ou tribunais em casos iguais, isso pode gerar desigualdade. A lei tem que valer de maneira isonômica e não variada diante de diversos demandantes, em casos substancialmente análogos, se estiver sob o manto dos mesmos pressupostos.
A cultura segundo a qual os homens que se encontram na mesma circunstância fática devem receber pela lei o mesmo tratamento, sem privilégios, já está incorporada historicamente.
Casos iguais ou substancialmente semelhantes não podem receber tratamento judicial diferenciado de acordo com a vara, câmara ou seção de julgamento.
A questão que se coloca é: como se pode constatar tratamento diferenciado injustificado e o conseqüente desrespeito à igualdade? Em primeiro lugar, na discordância dos critérios da decisão concreta com os de decisões anteriores da própria autoridade judicante. Em segundo lugar, na discordância com decisões de autoridades judicantes superiores. Por fim, na dissonância com decisões do intérprete oficial da Constituição, do Supremo Tribunal Federal.
Os autoprecedentes e os precedentes hierarquicamente superiores possuem efeito vinculante, não por decorrência de qualquer dispositivo constitucional ou legal, mas por respeito lógico à igualdade. Esta realidade não ofende a livre convicção e a independência do julgador, pois, se entender que o caso apresenta circunstâncias diferenciadoras, este pode e deve decidir diversamente, exteriorizando as razões diversificadoras. Convém reiterar, desde que exteriorize a diversidade fática ou social e apresente fundamentação suficiente e razoável.
Não incorporamos a figura do stare decisis americano. Embora esta figura pareceu influenciar as idéias do Poder Constituinte republicano. Veja-se o art. 59, § 2.º:
Nos casos em que houver de applicar leis dos Estados, a justiça federal consultará a jurisprudência dos tribunais locaes, e vice-versa, as justiça dos Estados consultarão a jurisprudência dos tribunaes federaes, quando houver de interpretar leis da União.
No modelo norte-americano, dos tribunais, quando se busca a superação dos fundamentos de questões decididas anteriormente, por outros, exige-se um esforço maior de motivação das novas decisões, um reforço da carga argumentativa para afastar tais razões anteriores. As novas razões passam a fazer parte do sistema jurídico, como as leis e demais atos normativos.
No modelo norte-americano de controle difuso de constitucionalidade, o ato inconstitucional é tido como nulo, norma sem valor (null and void), que não pode produzir qualquer efeito válido. Por isso, as decisões têm caráter declaratório, apenas reconhecem a nulidade e afastam sua eficácia para as partes envolvidas (inter partes) e de forma retroativa (efeitos ex tunc). A lei, no entanto, continua eficaz, e qualquer juiz pode aplicá-la em outros casos se entendê-la constitucional.
Trata-se de modelo que considera a constitucionalidade uma questão incidental (atinge apenas os fundamentos do objeto da ação, do pedido) simplesmente jurídica, uma decorrência da hierarquia das leis. Tendo esta feição, ninguém mais apto que o Judiciário para examiná-la.
Tal modelo escamoteia ou dribla a questão política, entrave teórico para que se aceitasse o controle judicial. “Faz questão de ignorar que este controle importa em recusar valor a ato de um dos Poderes do Estado” [5], de poder eleito pelo povo.
Por outro lado, o modelo europeu de controle concentrado da constitucionalidade, atribui a análise da constitucionalidade a um órgão especial de função jurisdicional não integrado ao Judiciário. Trata-se de tentativa de evitar o conflito entre os poderes. Analisa a constitucionalidade em abstrato e sua decisão é de efeitos erga omnes, cortando a eficácia de modo definitivo. Ao reconhecer a inconstitucionalidade a Corte de certa forma revoga a norma (como um legislador negativo), embora possa desfazer os efeitos, geralmente não reconhece o vício como o de nulidade, mas de anulabilidade, pois assim pode graduar os efeitos retroativos da desconstituição da mesma. A decisão não possui natureza declaratória, mas constitutiva negativa.
A diversidade deste modelo com relação ao norte-americano, quanto a natureza do vício de inconstitucionalidade, sobressalta quando verificamos algumas decisões modernas utilizadas pelos tribunais constitucionais europeus: em que mantém-se em vigor por certo tempo norma inconstitucional para que o Parlamento tenha tempo para substituí-la por outra. De certa forma, “o ato inconstitucional ganha uma sobrevida que significa em termos crus que modifica, ou modificou a Constituição, pelo tempo em que foi tolerado” [6]. A Corte Constitucional assume feição muito mais política do que jurídica.
No Brasil, ambos os modelos são adotados com novidades peculiares. No controle difuso adota-se o conceito de inconstitucionalidade norte-americano, a decisão em regra é declaratória e o ato é tido como nulo para o caso, concedendo-se à decisão eficácia retroativa. Diverso em nosso sistema é a possibilidade peculiar do Senado poder estender os efeitos (erga omnes). No controle concentrado, a visão européia tem preponderado. A recente Lei n. 9.868/99, estabelece, em seu artigo 27, a possibilidade, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social (leia-se, juízo político de conveniência e oportunidade), de restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade (que não tem natureza declaratória, mas constitutiva) a partir do trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Tornam-se, assim, válidos atos inconstitucionais. Ou melhor, a inconstitucionalidade, nestes casos, passa a ser vício anulável e não mais nulo.
Os efeitos das decisões no controle da constitucionalidade, nos diversos países, são os mais diversos. No norte americano, a decisão é de natureza declarativa, pois a inconstitucionalidade trata-se de vício de nulidade, e seus efeitos são ex tunc e inter partes. Na Áustria, a natureza é constitutiva e os efeitos são ex nunc ou pro futuro e erga omnes, a anulação pode ser determinada em até um ano da publicação; nos casos concretos (desde 1929) é inter partes e ex tunc. Na Iugoslávia o parlamento tem o dever de adaptar a lei em seis meses, sob pena desta deixar de vigorar. Na Itália e na Alemanha, ex tunc e erga omnes.
Por sua vez, o efeito ex tunc tem sido amenizado em função de duas questões: 1) garantir a segurança jurídica, ao respeitar a coisa julgada (salvo em questão penal se o crime deixar de ser crime); 2) o entendimento de que o significado da norma constitucional evolui e portanto é possível identificar momento diverso do início para o vício da inconstitucionalidade.
Para Teori Albino Zavascki [7], as decisões a respeito da constitucionalidade das normas têm uma vocação natural de expansividade para fora dos limites do caso concreto. Isto devido ao fato de que decisões divergentes lesariam a isonomia, a segurança jurídica e implicariam na necessidade de se multiplicarem as ações idênticas.
Frente a este fato, os norte-americanos encontraram a solução do stare decisis, do precedente. A solução européia, por sua vez, foi a de suspender o processo para encaminhar a questão constitucional a uma única corte, o que afastou a possibilidade de haver multiplicidade de decisões.
No Brasil, o controle difuso supera estas dificuldades por outros caminhos:
pelo instrumento de natureza política da Suspensão da Eficácia pelo Senado federal [8].
pelo controle jurisdicional concentrado da constitucionalidade (desde 1965 e especialmente pela reformulação de seus instrumentos operada pela Constituição de 1988 e pela Emenda Constitucional n. 3), que tem a característica intrínseca de suas decisões emanarem efeitos erga omnes.
desde a Emenda Constitucional n. 45/2004, pelo instituto da Súmula Vinculante, ainda não regulamentado.
pelos efeitos indiretos ou reflexos das decisões proferidas em sede de controle difuso, concentrado ou mesmo pela suspensão do Senado ou emissão de Súmula Vinculante.
Quais são estes efeitos reflexos que evitam a repetição desnecessária de julgamentos da mesma questão?
Em primeiro lugar, a possibilidade do Senado suspender a eficácia de lei.
A resolução do Senado que suspenda a eficácia de determinada lei, irradia seus efeitos imediatos sobre as relações jurídicas de trato continuado, mesmo que haja sentença (na via difusa) que a tenha reconhecido constitucional [9].
Embora as sentenças, em regra, apresentem norma jurídica concreta para fatos passados, há casos em que se apresenta para situações permanentes ou relações jurídicas sucessivas (sobre o elemento permanente). Nestes casos, a sentença opera efeitos para o futuro.
Ocorre que os efeitos da sentença para o futuro modificar-se-ão quando alterado o suporte fático ou o estado do direito.
O mesmo ocorrerá se houver decisão proferida no controle abstrato ou súmula vinculante. O efeito futuro das decisões concretas incidente sobre relações jurídicas duradouras, em relação ao futuro, será alterado.
Decisão definitiva em sede abstrata permite a qualquer interessado, em seus processos, arguir a exceção de coisa julgada para impedir novo pronunciamento judicial incidental sobre a matéria [10].
Em ambos os casos, não poder-se-á desconstituir os efeitos passados, mas poderão ser objeção de defesa, inclusive via embargos à execução [11].
Oswaldo Luiz Palu defende que a resolução do Senado deve atingir uma retrotividade mínima (art. 464 do CPC) para os casos idênticos ao decidido pelo STF mas ainda pendentes quando da edição da Resolução [12].
Além disso, relevante é a vinculação dos órgãos fracionários às decisões do STF ou do Pleno dos seus Tribunais.
Prevê o artigo 52, X da Constituição Federal de 1988, a possibilidade do Senado Federal suspender lei federal, estadual ou municipal declarada inconstitucional de forma definitiva pelo STF [13].
É lógico que suspenda porque não pode revogar, não é o legislativo.
Para Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, o papel do Senado é de natureza discricionária [14], sua função é decidir se é oportuno e conveniente estender os efeitos para todos. A discricionariedade, para estes, é incompatível com a retroeficácia, por isso entendem que os efeitos são ex nunc [15].
Neste sentido a representação n. 1.012/SP [16], em que o Ministro Moreira Alves expôs: “tem eficácia erga omnes se o Senado Federal houver por bem (decisão de conveniência política) suspendê-la”.
Se nem o STF retira a validade da norma, exceto para o caso, não pode o Senado, em regra, retirar completamente seus efeitos, anulá-la com efeitos retroativos, apenas suspendê-la, o que já é muito, mas é permitido pela Constituição. Como se trata de uma exceção, deve ser interpretada restritivamente.
O Senado deve apenas julgar a conveniência de todos serem atingidos pela retirada de efeitos da lei, a retroatividade não pode ser a mesma indicada pelo STF nos casos, salvo se verificada generalização absoluta (o que veremos no item 7).
O Senado não pode ser obrigado a suspender em decorrência da separação dos poderes. Senão seria órgão submisso ao Judiciário.
Atos administrativos concretos declarados inconstitucionais não podem ser suspensos pois nada há a suspender. Mas qualquer ato normativo pode.
Diz a Constituição que o Senado pode suspender toda ou parte da lei declarada inconstitucional. Entenda-se isto como a prerrogativa de suspender tudo ou parte do que foi declarado inconstitucional.
A decisão de inconstitucionalidade do STF deverá ser definitiva, ou seja a decisão do STF não pode ser passível de recurso. Em fim, não pode ser passível de embargos declaratórios ou infringentes, recursos possíveis de suas decisões.
Pleiteia Zeno Veloso [17], extinguir o papel do Senado e tornar todas as decisões do STF de efeitos erga omnes. Para nós, isto agora poderia ser possível em função do instituto da Súmula Vinculante. Ou então, poderíamos adotar o sistema português que confere ao tribunal constitucional a faculdade de converter a fiscalização concreta em fiscalização abstrata quando já tenha se manifestado pela inconstitucionalidade em pelo menos três casos concretos, conforme artigo 281.3 da Constituição Portuguesa e artigo 82 da Lei orgânica do Tribunal Constitucional.
A suspensão, uma vez efetivada, no entendimento jurisprudencial do STF é irreversível: RTJ 38/5, 38/569, 39/628. O que não é compactuado por Sérgio Resende de Barros.
A atribuição do Senado, por sua vez, deveria possuir prazo. Segundo pesquisa na Consultoria Legislativa do Senado Federal apresentada por Zeno Veloso [18], até 28.10.1997, estavam pendentes 69 processos remetidos pelo STF, para efeitos de suspensão de normas declaradas inconstitucionais, algumas da década de 70, outros da década de 80, os restantes, mais recentes.
Em nosso sistema, a tese jurídica que fundamenta uma decisão judicial produz efeito diante do caso sob análise, mas não deixa de servir de exemplo, “precedente” para decisões subseqüentes. Se esta tese jurídica perfilhada vê-se reiterada de modo uniforme e constante (permanência lógica e temporal) em casos semelhantes, identificamos o que intitulamos “jurisprudência”. Quando esta tese conquista terreno significativamente majoritário em determinado órgão judicial colegiado, soe acontecer a edição de súmula ou enunciado que positive, desvele pontualmente o entendimento sedimentado.
Súmula (do latim Summula: sumário, restrito) é “uma síntese da Jurisprudência, é um enunciado sintético do entendimento uniformizado do Tribunal sobre determinado tema jurídico” [19]. Oscar Vilhena Vieira conceitua como “um curto enunciado que, de maneira objetiva, explicita a interpretação de um tribunal superior a respeito de determinada matéria” [20].
Tanto os precedentes quanto a jurisprudência e as súmulas não constituíam originariamente, em nosso direito, preceito obrigatório para casos futuros. Apresentavam-se meramente como indícios de solução racional e socialmente adequada, como instrumentos de persuasão.
Este papel simplesmente persuasivo tem, no entanto, sofrido trajetória sensível de mutação, incorporando gradativamente eficácia expansiva em face de casos pendentes e futuros, atingindo certas vezes força obrigatória, vinculante.
São diversos os exemplos que podem ser colacionados. Para simplesmente ilustrar, lembre-se do art. 557 do CPC (alterado pela Lei 8.038/1990) que permite o indeferimento liminar, pelo relator, de recurso que se fundar em argumento que colidir “com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou do Tribunal Superior” ou que autoriza o provimento, pelo relator, ao recurso, se a decisão estiver em confronto com o entendimento sedimentado no Supremo Tribunal Federal ou em Tribunal Superior.
Outro exemplo marcante é a modificação operada pela Lei 9.756, de 17.12.1998, que, seguindo a trilha orientativa do Supremo Tribunal Federal modificadora do entendimento do art. 97 da CF, acrescentou parágrafo único ao art. 481 do CPC, trazendo efeito vinculante a decisões anteriores: Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.
Em 08.12.2004, no entanto, passo definitivo foi dado nesta trajetória. A Emenda Constitucional 45 instituiu a súmula vinculante a ser prolatada pelo Supremo Tribunal Federal, acrescentando o art. 103-A no Texto Constitucional de 1988.
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1.º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2.º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
Antônio Silveira Neto conceitua súmula vinculante como “um enunciado sintético e objetivo exarado por um Tribunal, com o escopo de uniformizar o entendimento reiterado em inúmeros e semelhantes julgados (jurisprudência), que obriga todos a harmonizarem suas condutas com o declarado pelo Tribunal” [21].
A competência para emitir tais súmulas vinculantes ficou restrita ao Supremo Tribunal Federal, diferente da proposta originária que trazia a discussão das súmulas vinculantes para o Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Superiores. É acertada restringir tal novidade à matéria constitucional e ao Supremo Tribunal Federal, visto a autoridade que a Constituição outorga a esta Corte (Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição) e a necessidade de tratamento diferenciado à jurisprudência constitucional.
Assim, Evandro Lins e Silva já se manifestava em 1995: “Parece lógico e óbvio que não apenas as Súmulas, como as decisões do Supremo, em tema constitucional, têm efeito vinculante. A Constituição é o que a Corte Suprema diz que ela é” [22].
Os pré-requisitos de sua ocorrência são: a) preexistência de reiteradas decisões sobre matéria constitucional; b) haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública; c) haja controvérsia sobre a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas; d) haja controvérsia que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
A preexistência de reiteradas decisões, embora não haja um número determinado que configure a reiteração (deverá representar amostra significativa – ver item 7), prenuncia a necessidade de que a questão jurídica já se encontre maturada, debatida, suficientemente decantada, sedimentada na Corte. Também parece óbvio que o enunciado da súmula deva ser o corolário da evolução do entendimento exarado nas decisões anteriores e não mera criação de regra nova que solucione eventual divergência existente (o que deve se dar é a generalização – ver item 7).
Ainda, é nos precedentes da súmula vinculante que devemos encontrar os parâmetros argumentativos que justificam a regra sumulada. A súmula, como consolidação de uma jurisprudência dominante, não se desatrela dos debates que a originaram, apenas universalizam as conclusões. Aqui nos deparamos com aspecto diverso dos dispositivos legais ou constitucionais, em que a evolução hermenêutica diferencia a intenção da lei da intenção do legislador. A intenção da súmula e a intenção dos julgadores necessariamente se referenciam, são experiências reversíveis, uma reverte na outra.
A atualidade da controvérsia entre órgãos judiciários ou entre estes e a administração pública, desvenda uma limitação finalística para a súmula vinculante, visto que não haveria necessidade desta se a tese sedimentada já tivesse de fato, com eficácia, produzido o efeito persuasivo e extinguido a discussão subseqüente sobre a mesma.
A necessidade de que exista não qualquer controvérsia, mas controvérsia sobre a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, desnuda outra restrição finalística, pois a súmula vinculante não tem o mote de extinguir com a “resistência” perante o conflito de interesse, mas o destino de desvelar o entendimento sedimentado sobre determinadas “teses jurídicas” atinentes à exegese constitucional normativa, quais sejam: validade, interpretação e eficácia. Controvérsia sobre a validade, na seara constitucional, é divergência atinente à constitucionalidade de norma infraconstitucional concreta. Controvérsia sobre a interpretação é desacordo sobre o melhor significado de determinado dispositivo [23] de acordo com os ditames constitucionais. Controvérsia sobre a eficácia é dissenso sobre a coercibilidade jurídico-social de normas determinadas, no tempo ou no espaço.
A súmula vinculante também só poderá ser produzida se a controvérsia concreta e atual acarretar grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. A significativa multiplicação de processos é algo fácil de ser verificado e demonstrado. Mas a gravidade da insegurança jurídica constitui elemento vago, embora se cinja na trajetória de ocupar o Supremo Tribunal Federal apenas com questões relevantes (como o faz a questão da repercussão geral). De qualquer forma, insegurança jurídica é gerada diante dos jurisdicionados sempre que estes não conseguem identificar uma conduta clara e uniforme dos órgãos judicantes, pois perdem o referencial de quais são seus direitos, quais devem ser seus comportamentos.
Assim como as leis não são eternas, pois as circunstâncias se alteram e elas devem acompanhar a evolução social, as súmulas vinculantes não poderiam ser simplesmente cristalizadas de forma perene. Perante argumentos novos, aspectos inexplorados, alterações na realidade econômica, social e cultural, estas devem ser repensadas, até porque sabemos pela moderna hermenêutica de Friedrich Muller [24] que a realidade que nos circunda (âmbito normativo) é um dos elementos que devem ser associados aos dispositivos (programa normativo) para alcançarmos a norma, o significado jurídico, ou o direito.
A partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante, deverá obrigatoriamente ser seguida pelos demais órgãos do Poder Judiciário [25].
Neste aspecto nos perfilamos ao entendimento de Ivan Lira de Carvalho:
tendo o STF sumulado um conjunto de decisões e ordenado que os juízos inferiores a ele rendam obediência, nada mais estará fazendo do que aquilo que faria, de forma fracionada, nos processos a, b, c... E por qual razão o magistrado da instância inferior cumpre uma decisão isolada, sem opor discussões, e terá receios de cumprir um conjunto sumulado de decisões? [26]
É certo que a simples súmula com efeitos persuasivos parecia-nos logicamente ideal para a busca da uniformização jurisprudencial. Mas a prática já nos demonstrou que a logicidade não operou os efeitos esperados.
Por sua vez, a súmula vinculante não implica capitis diminutio para a atividade judicante, pois não elidirá a necessária exegese da própria súmula, inclusive quanto a sua aplicação ao caso concreto. O juiz deverá fundamentar a aplicação ou o afastamento da súmula ao caso pelo esclarecimento do seu significado perante o enquadramento litigioso concreto. Mais ainda, se o juiz demonstrar que o caso concreto não apresenta similitude completa ao objeto da súmula e sua decisão for objeto de reclamação, poderá ensejar ao Supremo Tribunal Federal ocasião de rever e aperfeiçoar o enunciado ou mesmo reconhecer os casos distintos não atingidos pela súmula (mitigando a generalização – ver item VII).
Também terá efeito vinculante, obrigatório em relação à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Neste aspecto vemos a grande contribuição da súmula vinculante para desafogar os trabalhos judiciais, pois grande parte da criticada morosidade judicial advém do exacerbado número de ações contra a Administração Pública e do conseqüente duplo grau de jurisdição obrigatório diante das sentenças desfavoráveis à Administração.
Por outro lado, embora a literalidade da previsão constitucional dos efeitos da súmula vinculante atinja apenas os territórios públicos, é certo que projetarão seus efeitos no seio da própria sociedade, pois, ao chegar diretamente ou pelos operadores do direito ao conhecimento dos jurisdicionados, condicionarão, balizarão os comportamentos ou condutas particulares.
Ainda mais, se alguma súmula vinculante coincidir com o fundamento da pretensão de alguma das partes da demanda, ficará induzida certa convicção sumária calcada em juízo de verossimilhança, em certeza da solução jurídica aplicável ao caso. Tal presunção eventualmente justificaria tanto o julgamento antecipado da lide quanto a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, respeitando-se logicamente o contraditório.
É certo que as antigas súmulas persuasivas já permitiam este raciocínio, como uma presunção relativa. No entanto, o efeito vinculante das novas súmulas eleva a convicção judicial a outro patamar acima do grau de probabilidade, junto ao grau da certeza.
Perquirir qual é o conteúdo da súmula vinculante é o mesmo que investigar seu cerne. Em essência, a súmula vinculante constitui enunciado interpretativo de comando normativo preexistente. Não é a súmula quem cria o comando, mas o ato normativo existente.
Assim sendo, a súmula vinculante não rompe com o princípio da separação dos poderes, visto que exerce sua função de intérprete legítimo do comando normativo elaborado pelos outros poderes. Apenas fica potencializada sua atuação, pois a aplicação do entendimento consubstanciado generaliza-se pro futuro. Mas seu efeito ultrapartes funda-se no caráter geral e abstrato da própria norma que é interpretada.
De qualquer forma, o objetivo fixado no § 1.º do art. 103-A deixa entrever qual é o conteúdo concreto, o objeto propriamente adequado para as súmulas vinculantes: validade, interpretação, eficácia.
A validade, na seara constitucional, é divergência atinente à constitucionalidade de norma infraconstitucional concreta. Em um Estado Democrático de Direito, todo ato jurídico (em sentido amplo) pode e deve ser controlado em face de todo o ordenamento jurídico (controle da juridicidade). O ordenamento jurídico é um conjunto que, embora uno, possui uma diversidade de elementos escalonados em relação hierárquica, em que o respeito a esta relação hierárquica lhes atribui validade.
A verificação da adequação dos atos jurídicos (em sentido amplo) aos instrumentos normativos pátrios é nomeada “controle da legalidade”. Por sua vez, a verificação da adequação dos atos jurídicos (em sentido amplo) ou de qualquer das espécies de atos normativos ao próprio fundamento do ordenamento, à norma suprema, à Constituição, intitula-se “controle da constitucionalidade”.
Verificar a constitucionalidade supõe compreendermos seu anverso, o vício da inconstitucionalidade, o desvio da constitucionalidade. Inconstitucional é o ato ou omissão cujo conteúdo ou cuja forma contrapõe-se, de modo expresso ou implícito, ao contemplado na Constituição como princípio ou como disposição. A inconstitucionalidade é uma situação ou estado decorrente de um vício de contrariedade entre conteúdos normativos (material) ou de desconformidade ou inadequação de procedimentos de produção normativa (formal), que se estabelece entre o ocorrido e o prescrito nos preceitos ou princípios constitucionais.
A súmula vinculante, portanto, determinará o significado válido da norma infraconstitucional que está em acordo com os ditames constitucionais hierarquicamente superiores, ou fixará o significado que está em desacordo, segundo entendimento sedimentado em reiteradas decisões anteriores.
Constitui seara adequada para a utilização, portanto, das técnicas modernas de decisão da “interpretação conforme a constituição” e da “inconstitucionalidade parcial sem redução de texto”. Mas não poderá ser utilizada em substituição da ação direta de inconstitucionalidade ou da ação declaratória de constitucionalidade, ou mesmo da argüição de descumprimento de preceito fundamental, ou seja, para declarar inconstitucionalidade ou a constitucionalidade de norma de forma absoluta.
Por outro lado, poderá fixar qual é a coercibilidade jurídico-social (eficácia) de normas determinadas, no que diz respeito ao tempo, ao momento de sua vigência (por exemplo, para que se respeite o princípio da anterioridade tributária), ou ao espaço, a sua circunscrição territorial, ou ao grupamento de pessoas-entidades a que atinge.
A ampliação dos efeitos de decisões prolatadas no controle difuso (de inter partes para erga omnes), tanto na eventual Suspensão pelo Senado quanto para a eventual edição de Súmula Vinculante, pressupõe uma questão lógico-científica.
Deve ser objeto de acurado estudo, antes de se decidir pela generalização, se os pressupostos das decisões concretas do STF, mesmo que reiteradas, são passíveis de universalização [27].
Se uma determinada análise toma como referência circunstâncias fáticas concretas e chega a resultados conclusivos, qual a possibilidade de, eliminando as especificidades do caso, generalizar-se as conclusões? Para que as conclusões possam ir além das condições concretas analisadas, é preciso que se possa conferir generalidade aos resultados obtidos.
Nas abordagens experimentais, as generalizações são probabilísticas, frutos de análises estatísticas. Repetidas as condições, os mesmos resultados vem a ser produzidos. Como em todas as ciências humanas, no direito a generalização é consequência imediata da “representatividade da amostra em relação à população”.
Sendo impossível analisar todos os acasos, é preciso que a amostra destes seja representativa de todos. É preciso que os casos sejam semelhantes, é certo. Mas não o podem ser completamente. Pois, se eliminarmos completamente os que apresentem quaisquer riscos de estarem a sofrer influência ou intereação de outros fatores não ponderados nas semelhanças, eliminamos também a possibilidade da generalidade.
Por outro lado, se a presença de elementos diferenciadores não alteram as conclusões, pois os elementos comuns continuam propugnar os mesmos resultados, estamos diante de generalização possível e necessária.
Ainda que não tenhamos adotado, a partir da criação do controle jurisdicional de constitucionalidade, com a Constituição de 1891, um mecanismo de aplicação jurisdicional isonômica do direito a situações jurídicas idênticas, como as súmulas vinculantes, não são estas verdadeira “revolução” em nosso ordenamento jurídico.
Isto porque com as inovações havidas no decorrer do século XX em nosso sistema de controle de constitucionalidade, mormente com a tendente concentração da competência para controlar a constitucionalidade de leis e atos normativos, bem assim dos atos do poder público, no Supremo Tribunal Federal, o que se fez mais presente com a Emenda 16/1965, com a Constituição de 1988, com a Emenda 3/1993 e com as Leis 9.868/1999 e 9.882/1999, a novidade das súmulas vinculante não se faz tão alteradora do status quo.
Com mais força a partir da Emenda 3/1993 e a criação da eficácia erga omnes e efeito vinculante, e, com as Leis 9.868/1999 e 9.882/1999, vimos passarem as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado e abstrato a serem obrigatoriamente seguidas pelos demais órgãos do Poder Judiciário nacional.
A Emenda 45/2004 veio, ainda que tardiamente, oferecer uma dose de lógica ao sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, privilegiando, a nosso ver, a imperatividade das decisões da mais alta Corte do nosso país e estabelecendo sua obrigatoriedade, que, efetivamente, na nossa opinião, não exigiria uma previsão expressa e poderia ser recolhida da própria racionalidade do sistema.
A figura das súmulas vinculantes não retira, de nenhuma forma, a liberdade de julgar dos magistrados de instâncias inferiores. Estes continuarão a participar da interpretação da Constituição até o momento em que, em processo no qual a quaestio juris seja a mesma, crie o Supremo Tribunal Federal súmula sobre o assunto. Mais ainda, são os argumentos reiterados dos magistrados que permitirão a generalização pelo STF.
A exigência de obediência às súmulas decorre da necessidade de aplicação isonômica do direito em todo o território nacional e privilegia, apesar de muitos não intentarem ver, os litigantes que querem ver garantido direito seu, principalmente, as minorias que não dispõem de representantes para provocar o controle concentrado de constitucionalidade e dependem dos trâmites morosos do processo judicial ordinário para a concretização de direitos que a Constituição lhes outorga.
Na verdade, como afirmado, independeria de reforma da Constituição, pois decorreria, repise-se, da própria concretização do princípio da aplicação isonômica do direito, uma vez que a própria racionalização do sistema jurídico estaria a exigir tal acatamento.
Também deve ser vista com bons olhos a partir da necessidade de economia de esforços e dinheiro do Estado para a manutenção dos serviços públicos, maximizando a realização do direito material.
Os grandes perdedores, com a súmula, são os litigantes que buscam, no Poder Judiciário, a postergação do cumprimento de obrigações suas que, muitas das vezes, sabem devidas e, com a existência de um Judiciário abarrotado, vêem neste um locus de redução dos danos pelo cumprimento postergado da obrigação. Dentre estes que lucram com as mazelas do Judiciário encontram-se os grandes “clientes” do Poder Judiciário, grandes grupos privados e o próprio Estado [28].
Também são perdedores aqueles que sempre estão a criticar, ainda que retoricamente, a hipertrofia do Poder Executivo e a atrofia dos demais no Brasil. Havendo um Poder hipertrofiado, de duas uma: ou se diminui a gama de competências deste Poder, o que não se viu em toda a história republicana brasileira no que toca ao Poder Executivo, ou se aumenta a participação de outro Poder no sentido de lhe caber, efetivamente, cooperar, por um lado, mas também controlar os ímpetos inconstitucionais de qualquer ente estatal.
Com a criação das súmulas vinculantes, além disto, esperamos possamos passar a produzir, a partir do Supremo Tribunal Federal, uma jurisprudência constitucional mais refletida, de mais qualidade, uma vez que não mais veremos o entulhamento do Supremo Tribunal Federal com causas em que já existe um posicionamento seguro da Corte, isto também auxiliado pela questão da “repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso” como requisito dos recursos extraordinários [29].
No que toca ao tema da legitimidade democrática do Supremo Tribunal Federal e do meio de contenção de eventuais ímpetos de legislador, deve ficar claro que as súmulas vinculantes deverão decorrer de coleção de precedentes e exigem, para sua criação, revisão ou cancelamento, além da suplantação lógica da possibilidade de generalização, do voto de 2/3 dos membros do Tribunal, o que afasta a temeridade de mudanças abruptas e eventuais.
Talvez possamos, assim, fazer do nosso Supremo Tribunal Federal um verdadeiro tribunal julgador de causas de importância constitucional, importância esta que a Constituição Federal de 1.988 exige e depende para que realize as aspirações de seu texto.
Sabemos, por óbvio, que as súmulas vinculantes não resolverão os problemas do processo judiciário brasileiro, torna-lo-ão, no entanto, certamente mais igualitário e especialmente mais lógico.
NOTAS
1 Constituição de 1824: Art. 13 - O Poder Legislativo é delegado à Assembléia Geral com a sanção do Imperador. Art. 14 - A Assembléia Geral compõe-se de duas Câmaras: Câmara de Deputados e Câmara de Senadores ou Senado. Art. 15 - É da atribuição da Assembléia Geral: (...) 8.º) Fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las. 9.º) Velar na guarda da Constituição, e promover o bem geral da Nação.
2 Art. 59, 3, b, da CF/1891.
3 Ainda que simbolicamente. A expressão é de Marcelo Neves. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994. p. 37: “O objetivo da legislação simbólica pode ser também fortificar ‘a confiança do cidadão no respectivo governo ou, de um modo geral, no Estado. Nesse caso, não se trata de confirmar valores de determinados grupos, mas sim de produzir confiança no sistema jurídico-político. O legislador, muitas vezes sob pressão direta, elabora diplomas normativos para satisfazer as expectativas dos cidadãos, sem que com isso haja o mínimo de condições de efetivação das respectivas normas. A essa atitude referiu-se Kindermann com a expressão ‘legislação-álibi’”.
4 Em um Estado Democrático de Direito, todo ato jurídico (em sentido amplo) pode e deve ser controlado em face de todo o ordenamento jurídico (controle da juridicidade). O ordenamento jurídico é um conjunto que, embora uno, possui uma diversidade de elementos escalonados em relação hierárquica. A verificação da adequação dos atos jurídicos (em sentido amplo) aos instrumentos normativos pátrios é nomeada “controle da legalidade”. Por sua vez, a verificação da adequação dos atos jurídicos (em sentido amplo) ou de qualquer das espécies de atos normativos ao próprio fundamento do ordenamento, à norma suprema, à Constituição, intitula-se “controle da constitucionalidade”.
5 Manoel Gonçalves Ferreira Filho. O sistema constitucional brasileiro e as recentes inovações no controle de constitucionalidade (Leis nº. 9.868, de 10 de novembro e nº. 9.982, de 3 de dezembro de 1999). In: Revista de Direito Administrativo nº. 220, abr./jun. 2000. p. 4.
6 Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. O sistema constitucional brasileiro e as recentes inovações no controle de constitucionalidade (Leis nº. 9.868, de 10 de novembro e nº. 9.982, de 3 de dezembro de 1999). In: Revista de Direito Administrativo nº. 220, abr./jun. 2000. Rio de Janeiro, p. 16.
7 Teori Albino Zavascki. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional.
8 Este instituto sofreu a seguinte evolução. A Constituição de 1934 criou a possibilidade do Senado suspender a eficácia de qualquer ato, lei, deliberação ou regulamento declarado inconstitucional pelo Judiciário1. Por sua vez, a Constituição de 1946 estabeleceu que a suspensão da eficácia de lei ou decreto (não mais de ato e regulamento) pelo Senado restringia-se à declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, não mais atingindo declaração de qualquer órgão judicial. Por fim, a Constituição de 1988 manteve a suspensão pelo Senado nos seguintes termos: Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.
9 Cf. Teori Albino Zavascki. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. p. 97.
10 Cf. Ada Pellegrini Grinover. Controle de Constitucionalidade. Revista de Processo v. 23, nº. 90, abr./jun. 1998. São Paulo. p. 12.
11 Cf. Teori Albino Zavascki. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. p. 101.
12 Cf. Oswaldo Luiz Palu. Controle de Constitucionalidade: conceito, sistemas e efeitos. p. 270.
13 Exemplos de resoluções que suspenderam a eficácia: Res. 81/96 – suspendeu execução de alguns artigos da lei n. 7.588/89 e da lei n. 7.802/89, ambas de Santa Catarina; Res. 80/96 – suspendeu artigo da lei n. 3.999/72 de Santo André, SP.
14 Nesse entendimento já se manifestou o STF: MI 460-9-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJ, 16-6-1994, p. 15.509 e MS 7248 de SP, rel. Min. Victor Nunes Leal, e o Legislativo: pareceres 154/71, 261/71, 282/71, RIL 48/265.
15 Cf. Luiz Alberto David Araujo & Vidal Serrano Nunes Júnior. Curso de Direito Constitucional. p. 28.
16 Cf. RTJ 95/1999
17 Cf. Zeno Veloso. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. p. 58.
18 Cf. Zeno Veloso. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. p. 59.
19 Antônio Silveira Neto. Súmula de efeito vinculante. Disponível em: <http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art64.html>. Acesso em: 17 jan. 2005.
20 Economia de direitos: efeitos colaterais serão maiores que os benefícios da súmula vinculante. O Estado de S. Paulo, 1.º out. 1996.
21 Antônio Silveira Neto. Súmula de efeito vinculante, cit.
22 A questão do efeito vinculante. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 13, p. 113, jan.-mar. 1996. Apud Rodolfo Camargo Mancuso. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, cit., p. 42.
23 Entendemos norma como dispositivo interpretado.
24 Cf. Métodos de trabalho do direito constitucional. São Paulo: Max Limonad, 2000.
25 O novo texto constitucional traz expressa previsão do efeito vinculante. Entendemos, no entanto, que este efeito decorreria do próprio sistema jurídico anteriormente em vigor. Nestes termos: J. J. Calmon Passos. Súmula vinculante. Revista Diálogo Jurídico, Salvador: CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n. 10, jan. 2002. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 17 jan. 2005, p. 14-15.
26 Ivan Lira de Carvalho. Decisões vinculantes. RT, n. 745, p. 57-58. Apud Rodolfo Camargo Mancuso. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, cit., p. 361.
27 Parafraseando Karl Popper, não é porque em toda minha vida só vi cisnes brancos que os cinzas não existam.
28 Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de direito processual civil. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003. v. 1, p. 290: Ao defender a criação das súmulas vinculantes no Brasil em razão de “não haver outra proposta capaz de atingir esse urgentíssimo objetivo (celeridade processual), informa-nos que ‘esse mal (a repetição de casos idênticos em nossos Tribunais Superiores) vem comprometendo de modo particularmente grave a atuação do Supremo Tribunal Federal, sabendo-se que no ano de 1996 o índice de repetitividade atingiu a impressionante marca de 88% dos recursos ali julgados. No Superior Tribunal de Justiça, três entes públicos são responsáveis por 70% dos recursos julgados ou a julgar, a saber: Fazenda Nacional, Instituto Nacional de Seguridade Social e Fazenda do Estado de São Paulo’”.
29 Cf. art. 102, § 3.º, da CF.
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